PORTO OLÍMPICO

2011
Rio de Janeiro (RJ)

escala da intervenção (1. copan, 1951, niemeyer; 2. pedregulho, 1947, reidy; 3. parque guinle, 1948, lucio costa; 4. minc, 1936, lucio costa e equipe; 5. pavilhão de exposições, 1957, sergio bernardes; 6. hotel nacional, 1968, niemeyer; 7. mam, 1956, reidy; 8. ibirapuera, 1954, niemeyer)

“Habitar é colateral ao trabalho. Colateralidade é, porém, diferente de justaposição. Colateralidade significa, para nós, rapidez e facilidade de acesso. Decorre de um planejamento orgânico e não de uma ambição especulativa (…)Todos sentimos que a horizontalidade gigante e a verticalidade tímida agravaram os problemas urbanos da habitação, pela predominância do interesse individual sobre o bem comum.”

Sergio Bernardes, “Rio: admirável mundo novo”, 1965

INTRODUÇÃO: DUAS ESCALAS DISTINTAS

O desafio lançado pelo concurso é que se encontre solução urbanística adequada a um programa de caráter internacional, como talvez se imagine, mas o que está concomitante e verdadeiramente em jogo é a própria estruturação da vida urbana após o evento, privilegiando a população da cidade. São dois problemas distintos, e de escala diferentes, que se entrosam.

O problema consiste então em encontrar a fórmula que permita conciliar a urbanização na escala que se impõe, com a salvaguarda das peculiaridades da cidade e da paisagem que importa preservar.

A ideia precípua deste projeto é proporcionar à cidade do Rio de Janeiro, sobretudo no local onde se implantará o “Porto Olímpico”, um espaço generoso e aberto à urbe, facilmente usufruído, articulado tanto com a nova infraestrutura urbana como com os elementos urbanos pré-existentes.

Não fazer objetos autônomos, por mais cômoda que seja esta atitude, mas pensá-los como elementos de uma nova experiência urbana que pressupõe o diálogo e a convivência. O projeto deverá ser uma referência para recuperação da região ao extrapolar o limite do lote ou quadra, por não se coadunar somente com a lógica de mercado de conformação da cidade.

Propõe-se projetar o conjunto sem fragmentar o tecido urbano. Concorre com uma ideia que a arquitetura não subtrai, separa ou resguarda, mas adiciona, agrega e regenera o espaço da existência coletiva e da urbanidade.

CIDADE E PROGRAMA: ARQUIPÉLAGO DE ACONTECIMENTOS

Cabe ao complexo de edifícios propostos acompanhar não apenas as grandes transformações sociais e culturais, mas gerar novos modelos de urbanidade a serem reproduzidos e recriados, estabelecendo continuamente a articulação entre a dimensão arquitetônica e o papel social e urbano do patrimônio edificado.

O que se propõe, portanto, não são edifícios isolados ou auto-suficientes, mas um conjunto edificado, uma trama que seja capaz de urdir a urbanidade.

O programa não está organizado em blocos autônomos, mas deverá permitir uma rápida apreensão do conjunto por parte do usuário que poderá construir livremente os percursos entre os diferentes espaços e atividades à maneira do comportamento do pedestre nas ruas e praças da cidade.

O projeto não considera os lotes oferecidos dissociados, nem a distribuição sugerida de programa partida, mas uma área única e inteira, entremeada pelo Canal do Mangue – um remanescente do mar primitivo e ulterior à ocupação urbana atual. Os acontecimentos deverão ser homogêneos em ambos os lados: habitação e serviços em toda superfície, como um conjunto íntegro, como uma cidade desejada.

A aparente complexidade do programa se desfaz quando este é organizado pelo espaço e pela construção, pela arquitetura.

ARTICULAÇÃO: GRANDE GENEROSIDADE URBANA – O TÉRREO ESPESSO DA CIDADE

Articulado aos edifícios residenciais haverá um sistema térreo autônomo de lojas e toda sorte de utilidades, com passeio coberto e seguimento contínuo, como nas ruas tradicionais, mas quebrado por sucessivas mudanças de rumo, criando-se assim pátios, praças, pontos de encontro e áreas de recreio para crianças com o objetivo de propiciar a confluência em vez da dispersão.

Imagina-se esse espaço de transição como um cortile contemporâneo, sem colunatas, pilotis ainda mais livre que o moderno, da mesma altura que o doMinistério da Educação e Saúde de Lúcio Costa e equipe. A diversidade programática é um de seus atributos qualificadores, para que o uso residencial desempenhe papel relevante.

Essa estrutura de articulação urbana é o elemento que incorpora as diferentes funções do programa: centro de convenções e exposições, centro empresarial, lojas e serviços e os hotéis.

É o elemento estruturador de todo o complexo. Apesar de suas proporções, trata-se de um edifício discreto do ponto de vista da expressão arquitetônica: duas estruturas paralelas de aço longitudinais com envoltórias constituídas pelas varandas de circulação e os planos de sombreamento, além de uma cobertura verde que pode ser utilizada como praça.

As estruturas serão envolvidas por um elemento vazado que adoça a rigidez da estrutura metálica. Sua permeabilidade à luz natural e a forma com que filtrará a luz artificial que transborda para o espaço externo, aliado ao efeito uniformizador de um único elemento de fechamento conferem à estrutura, apesar de sua extensão, um caráter evanescente.

Os blocos de apoio abrigam a circulação vertical e os sanitários. Sua distribuição espaçada permite conformar um espaço generoso, com o número reduzido de apoios, onde a vida pode fluir de forma desembaraçada.

Este edifício híbrido – não protagonista – enfatiza o destaque para vida cotidiana além de evitar as soluções autônomas. Se a cidade é marcada comumente pelos edifícios extraordinários se destacando em meio à massa de edifícios habitacionais e ordinários, aqui a proposta está no contrapelo desta ideia, como uma cidade invertida.

Trata-se de um elemento que marca a paisagem urbana, organiza o território, confere caráter ao conjunto, mas que se desfaz pela serenidade que marca sua existência.

TORRES HABITACIONAIS: UNIDADES DE VIZINHANÇA SOBREPOSTAS

Simbolicamente o elemento que se destaca no conjunto são as torres habitacionais. O fato de a maior porção da área permitir gabaritos de 120 e 150 metros possibilita vislumbrar uma ocupação concisa: 9.828 unidades de dormitórios em nove torres a serem agregadas às outras 965 do hotel 3 estrelas, do apart-hotel e do hotel temporário. Esta ocupação concentrada e não extensiva, além de oferecer maior porosidade urbana e desfrute da magnífica paisagem – imediata e remota – permite a circulação de ar e aproveitamento máximo das condições climáticas favoráveis.

A estrutura do edifício é extremamente simples e geométrica, definida pelas paredes estruturais que conformam os módulos espaciais das unidades habitacionais. As unidades e a diversidade tipológica são constituídas pela associação destes módulos.

Esta organização rigorosa permite a adoção de processos industrializados como sistema de forma túnel que possibilita uma concretagem integral do módulo espacial (paredes e lajes) reduzindo significamente o tempo de execução, além de representar uma economia pela escala da obra.

A estrutura é encerrada por caixilhos em ambas as faces conformando uma fachada externa – marcada pelos quebra-sóis que resguardam as unidades – e uma fachada interna em vidro serigrafado branco que se volta para o espaço vazio interno, animado pela luz que extravasa das unidades à noite e pelas varandas circulares de circulação horizontal.

A cada seis pavimentos as praças intermediárias representam a continuidade espacial no sentido vertical pela multiplicação do chão da cidade. Poderão conter as amenidades e demais facilidades requeridas pela vida doméstica. Além disto, conformam uma escala de vizinhança (66 unidades habitacionais) distinta da escala urbana do assoalho urbano que permite encontro e reunião entre os moradores. São unidades de vizinhança com a escala típica dos edifícios do Parque Guinle e das superquadras de Brasília.

Trata-se de uma construção austera, marcada pelas sucessivas ações construtivas que se adicionam e permitem uma execução ágil, e que conferem no final um caráter único e expressivo aos edifícios.

PORVIR: UMA SUGESTÃO PARA O ENTORNO – O RIO DE JANEIRO COMO SIGNO

Providência importante do ponto de vista paisagístico para que a avenida Francisco Bicalho assuma novo papel de significativa porta de acesso ao Rio de Janeiro é o planejamento dos ambientes urbanos vizinhos aos terrenos objeto do concurso, incluindo a ambientação da própria avenida.

Em meio a uma estruturação fundiária indefinida e de usos mistos da vizinhança, a implantação do complexo representa uma oportunidade para organização e hierarquização do território urbano.

Vislumbra-se a possibilidade de uma relação mais franca com a Quinta da Boa Vista e Cidade do Samba por meio de um novo eixo viário a ser agregado ao traçado original do Porto Maravilha.

A remoção do viaduto deve ser considerada: não existe justificativa para manutenção da via elevada sobre o cruzamento com o Canal e a subsequente necessidade da construção de alças de acesso que comprometem a possibilidade de conformação de um novo recinto urbano. A retomada desta via elevada deveria ser realizada mais adiante valorizando realmente este espaço e mitigando os danos ambientais decorrentes.

Um novo traçado viário proposto ao nível da cidade absorve o trânsito local e resolve sua distribuição sem o esforço de viadutos, promovendo uma espécie de revascularização do tecido envelhecido. Possibilita um novo desenho na embocadura do canal, conformando uma praça que se relaciona mais francamente com a água para inaugurar os termos de uma integração futura entre a cidade e o mar. Esta relação será sublinhada ainda pela introdução da água como elemento do paisagismo do complexo.

A área entre o terreno Leste e o Canal deverá ser reservada para implantação de equipamentos esportivos, socioculturais e área verde, tendo seu potencial construtivo transferido para áreas lindeiras ou outros setores da operação urbana. O VLT passará na rua Gen. Luis Mendes de Morais incrementando a relação entre o conjunto e estes equipamentos.

O projeto não se abstém de opinar sobre o entorno imediato, mas admite sua construção independente destas mudanças. Assim, como verso e anverso de uma mesma cidade – um verdadeiro “gerador” urbano – são equivalentes para inaugurar os termos de uma integração futura entre complexo e território. Quando isso for possível, terá cumprido seu papel de interventor urbano daquela área, seja por sua volumetria, sua proposta ética e estética e pela preocupação prévia atribuída à edificação no estabelecimento de um diálogo com o entorno.

ASPECTOS CONSTRUTIVOS: CONSTRUÇÃO EM ETAPAS

A implantação das torres que orbitam a estrutura longitudinal de forma independente permite vislumbrar uma construção em diversas frentes e várias etapas que serão estratégicas pela dimensão do conjunto e possibilitarão uma ocupação sucessiva dos edifícios.

O estacionamento estará integralmente em subsolo. Apesar de representar um custo mais elevado, se justifica tecnicamente pela escala da obra e pelo fato de liberar os espaços ao rés do chão e permitir a criação de uma sucessão de espaços abertos e sombreados contínuos que conferem uma continuidade do tecido urbano.

Sendo as moradias, comércio e serviços previstos no Porto Olímpico os pioneiros na renovação da região, esses novos espaços públicos permitidos com a solução de subsolo constituem elemento polarizador das atenções da comunidade, favorecendo a convivência e interação social e marcando o conjunto urbano.

ECO-EFICIÊNCIA: ALTA QUALIDADE AMBIENTAL

Finalmente o projeto incorpora os conceitos mais amplos de eficiência e correção que possam reduzir ou eliminar significativamente os impactos negativos dos edifícios em seus ocupantes e no meio ambiente, em cinco grandes áreas: 1)Planejamento sustentável do site; 2) Proteção e uso eficiente da água; 3) Eficiência energética e energia renovável; 4) Conservação de materiais e recursos; 5) Qualidade do ambiente interno. [ver diagrama na prancha 5]

Construir este conjunto é, no nosso entendimento, construir uma parte da cidade, uma cidade para todos. É compreender esta nova experiência urbana constituída de elementos articulados – algo mais forte que apenas objetos isolados ocupando um mesmo espaço – uma ação fundamental para a edificação da sociedade e de sua cultura como um fazer coletivo.

CONCURSO NACIONAL

ARQUITETURA

Alvaro Puntoni, João Sodré, João Yamamoto, André Nunes (gruposp)
Luciano Margotto (Republica Arquitetura)
Marcos Acayaba
Claudio Libeskind, Sandra Llovet, Marina Rosa, Natalia Leardini, Sabrina Chibani (libeskindllovet)
Andre Procopio (urbano)

COLABORADORES

Gustavo Delonero, Henrique Winkel, Mona Feldman

ESTRUTURA

Jorge Zaven Kurkdjian
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